The World of Gerard van Oost and Oludara

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O peso de dinheiro

Em A Bandeira do Elefante e da Arara, sempre tento acertar, quanto possível, todos os detalhes históricos. Na história “O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara”, Pero de Belém pede à Gerard 40.000 réis para libertar Oludara. Sendo um detalhe relevante à história, pesquisei os preços da época, e dobrei o valor comum da época utilizado para a compra de escravos. Considerando que um cruzado de ouro valia 400 réis, o preço equivaleria a exatamente 100 cruzados de ouro.

Porém, não cheguei a pesquisar o peso das moedas. Assumi que um saco de 100 moedas de ouro ia ter um bom peso, mas, depois, descobri que a minha concepção tinha sido moldada mais pela ficção do que pela realidade.

Tudo começou quando adquri algumas moedas da época, para sentir com as minhas próprias mãos o dinheiro daquele tempo. Na imagem abaixo, a moeda na esquerda é uma moeda de cobre de cinco réis, e a moeda na direta é um vintém de prata, valendo 20 réis. As moedas estão gastas pelo tempo, mas ainda retém boa parte do seu peso original.

Fiquei surpreso pela diferença em tamanho e peso das duas moedas. A moeda de prata, com quatro vezes o valor, possuía apenas um quinto do peso. Ela pesa cerca de 1,5 grama: tão leve que você mal percebe a moeda na sua mão.

Fiz uma pesquisa mais profunda dos pesos das moedas da época, e descobri que os valores dos metais eram aproximadamente:

Ouro = 130.9 réis/grama

Prata = 11.4 réis / grama

Cobre = 0.6 réis / grama

Destes números, é possível calcular que 40.000 réis em ouro teria um peso de um pouco mais de 300 gramas—mais ou menos o peso de uma lata de refrigerante cheia. O mesmo valor em prata teria sido 3.5 kg e em cobre, 71.6 kg — equivalente ao meu peso!

Todo mundo conhece o clichê do saco pesado de ouro, e ouro, de fato, pesa cerca de duas vezes o peso de prata e três vezes o peso de cobre. Ao mesmo tempo, no final do século XVI, o ouro valia mais de 10 vezes a mesma quantidade de prata e mais de 200 vezes a mesma quantidade de cobre. O engenhoso, outra moeda de ouro da época com peso de 4 gramas, valia quase meio kg de cobre. Assim, o conceito da “bolsa pesada” é equivocado. Um saco pesado de ouro valeria uma fortuna, um fardo pouco provável a levar na rua. Uma bolsa pesada provavelmente conteria mais com moedas de cobre.

Em “O Encontro Fortuito”, Gerard fala para o governador: “Vim correndo, mas o peso de um saco de ouro me fez demorar”, mas em retrospectiva, suponho que o peso de uma lata de Coca-Cola provavelmente não teria tanto efeito, no final das contas. 🙂

Orixá

Os orixás são os deuses da religião dos iorubas (associados com culutra Itan). Eles são adorados em religiões como Candomblé (Brasil), Santeria (Cuba) e muitas outras. Em alguns casos, existem centenas de orixás.

Dois dos orixás mais conhecidos incluem Iemanjá (“Mãe cujos filhos são peixes”), orixá do mar e figura maternal da humanidade, e Xangô, orixá de raios e o trovão.

Adivinhação Ifá

Em “O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara”, o Oba Ekoshoni conta para Oludara: “Você foi convocado até aqui porque meus adivinhos fizeram uma consulta ao Oráculo Ifá. Eles me disseram para procurar pela descendência de um homem que me ajudou tempos atrás.”

A Adivinihação Ifá começa com Orunmilá, o orixá iorubano de profecia. Às vezes, Orunmilá é chamado de “Deus de Caroços”, por causa dos 16 caroços de dendê usados no processo de adivinhação. Ele é também chamado de Ifá, o mesmo nome dado ao seu conhecimento. Seus sacerdotes são conhecidos pelo nome babalawo, ou “Pai dos Segredos”, porque eles possuem conhecimento e os meios de repassar este conhecimento ao resto da humanidade. Por isso, Orunmilá é considerado um deus de sabedoria é o benfeitor principal da humanidade.

O processo de adivinhação dos babalawos é complexo, e o texto a seguir é uma grande simplificação:

Antes de aprender a arte de adivinhação, o babalawo tem que comprometer-se a decorar o conhecimento acumulado de Orunmilá, um conjunto de versos conhecido como Ifá. O sistema de Ifá é organizado em 256 conjuntos chamados de Odu. Dizem que Ifá representa toda situação, circunstância, ação e consequência possível na vida.

No ato de adivinhação, o babalawo se veste de branco—a cor de paz e pureza—que possibilita a sua comunicação com o mundo spiritual. Ele utiliza dezesseis caroços de dendê (Ikin), um pote (Ajere Ifa), uma bandeja de adivinhação (opon Ifá), um bastão (iroke Ifá), uma enxota (Irukere Ifa) e pó branco. O babalawo joga os caroços de uma mão à outra, e conforme o número de caroços que permanecem em cada mão, marca os pontos correspondentes na bandeja com figuras chamadas de “mães”.

Exemplo de uma bandeja de adivinhação Ifá (opon Ifa) e nozes de palmeira (Ikin)

(Imagem: Wikipedia, domínio público)

As figuras, após marcadas, correspondem aos conjuntos específicos de Ifá. O babalawo recita os versos associados com estes conjuntos, que ele pode usar para interpretar uma resposta à pergunta das suplicantes.

O Orixá Exu também recebe prestígio por causa do seu relacionamento com Ifá, pois é Exu que leva oferendas e sacrifícios aos orixás, e traz suas benções e punições de volta à Terra. Muitas vezes, o seu rosto aparece nas bandejas de adivinhação por esta causa.

Oba

Em “O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara,” Oludara é convocado a viajar desde a sua vila até a cidade de Ketu para ter uma audiência com o oba.

Os líderes supremos de cada um dos sete reinos históricos iorubanos eram conhecidos como obas. Na maioria dos casos, eles se consideravam descendentes da orixá Odudua, mãe da Terra, e por isso eram considerados sagrados. Seus súditos precisavam se prostrar perante o oba. Depois, eles podiam sentar ou se ajoelhar na sua presença.

Súditos se prostram perante um obá enquanto exploradores portugueses fazem o seu primeiro contato – final do século XV

(Imagem: Wikipedia, domínio público)

Apenas obas podiam usar a regalia sagrada iorubana: uma coroa de contas em forma de cone, chinelos de contos e uma enxota-moscas adornado de contas. As coroas eram feitas de contas vermelhas de coral, introduzidas pelos portugueses. Os Obas usavam coroas diferentes para ocasiões diferentes, e cada cora tinha sua própria história. Estas coras contem linhas de contas que cobrem o rosto do oba, ao modo de proteger as pessoas do seu olhar divino.

Obá Ademuwgun Adesida II em traje tradicional, 1959.

(Imagem: Smithsonian Institution. Foto por Eliot Elisofon)

O oba era responsável por resolver problemas externos ao reino, e era autoridade máxima em questões jurídicas. Um conselho de anciões o aconselhava e escolhia o seu sucessor após a sua morte. Os balés (chefes das vilas), tipicamente os mais velhos da localidade, cuidavam de assuntos locais.

Devido à natura sagrada do oba, era impensável alguém fazer um ato de violência contra ele. Em algumas circunstâncias, porém, o oba tinha que cumprir um ato de violência contra ele próprio. Um exemplo é quando o povo se rebelava em protesto contra o oba. Neste caso, os chefes podiam exigir o suicídio dele. A tradição também exigia que o oba nunca podia ficar frente a frente com o Oni Oja (o administrador do mercado), sob pena de morte. Por isso, ele nunca podia sair do palácio no dia da feira.

A coroação de um oba novo era um processo comprido. O oba precisava fazer uma peregrinação e visitar vários lugares sagrados, participando de ritos estabelecidos, antes voltar à cidade para a coroação. Podia levar meses para completar todo o processo. Por exemplo, um dos passos era buscar a Ida Oranyan (a Espada de Oranyan ou Espada da Justiça) em Ile-Ifé e colocá-la nas mãos do Oba de Oyo.

Após tomar posse, o oba quase nunca saía durante o dia, exceto durante alguns festivais importantes. Ele podia, porém, sair do palácio à noite, incógnito.

 

Cabeça de oba de bronze – século XVI

(Imagem: www.metmuseum.org)

Os obas ainda existem nos reinos iorubanos atuais, porém as tradições foram modernizadas, principalmente durante os últimos cem anos. Por exemplo, o costume de suicídio desapareceu ao longo do tempo. O último oba forçado a tomar sua própria vida foi o Alaketu Adegbede em 1858. Quando ele saiu do palácio e viu o Oni Oja (talvez por arranjo dos seus inimigos), ele e duas das suas esposas tiveram que beber veneno.

Quem visita Benin e Nigéria hoje pode ter a chance de visitar um dos obas iorubanos e aprender mais sobre as suas tradições. Espero fazer a minha própria visita um dia!